Roteiro de Estudos
Professor(a): Cíntia Rodrigues
Componente Curricular: Eletivas
Turmas: 6ºs ao 9ºs
Número de aulas/data referente: 2
Habilidade(s) a ser desenvolvida(EF02LP17) - Identificar e utilizar expressões
que marcam a passagem do tempo (antes, ontem, há muito tempo) e a sequência das
ações (no dia seguinte, ao anoitecer, logo depois, mais tarde), na leitura de
textos do campo artístico-literário (contos de fadas, maravilhosos, populares,
fábulas, crônicas).
Sequência de Atividades: Leia o texto com bastante atenção, releia,
depois faça um pequeno resumo do mesmo em seu caderno com nome, número, série,
escola e encaminhe à professora por e-mail. Lembrando que a foto dessa
atividade deve ter uma boa resolução para a correção dela. Pode ser feita a
lápis.
Forma de Avaliação da Aprendizagem: Processual.
texto
de apoio:
A IGREJA DO DIABO
Capítulo I
De
uma idéia mirífica Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo
dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos
e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos,
sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por
assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada
fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era
o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez. — Vá, pois,
uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra
breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas,
bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo
universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto
as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não
acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só
um de negar tudo. Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços,
com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus
para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio,
ásperos de vingança, e disse consigo: — Vamos, é tempo. E rápido, batendo as
asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da
sombra para o infinito azul.
Capítulo II
Entre Deus e o Diabo
Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou
ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-se logo, e o
Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor. — Que me queres tu?
perguntou este. — Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo,
mas por todos os Faustos do século e dos séculos. — Explica-te. — Senhor, a
explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho;
dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam
com os mais divinos coros... — Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os
olhos cheios de doçura. — Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter
convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por
causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas
palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu
reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E
então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de
dissimulação... Boa idéia, não vos parece? — Vieste dizê-la, não legitimá-la,
advertiu o Senhor. — Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de
ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um
mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a
minha pedra fundamental. — Vai. — Quereis que venha anunciar-vos o remate da
obra? — Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há
tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja. O Diabo
sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia cruel no
espírito, algum reparo picante no alforje de memória, qualquer coisa que, nesse
breve instante de eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas
recolheu o riso, e disse: — Só agora concluí uma observação, começada desde
alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número
comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão.
Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê-las todas para minha
igreja; atrás delas virão as de seda pura... — Velho retórico! murmurou o
Senhor. — Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do
mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó,
os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e
devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, — a
indiferença, ao menos, — com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios
que liberalmente espalha, — ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer
dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em
coisas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de
irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma
comenda... Vou a negócios mais altos... Nisto os serafins agitaram as asas
pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de
súplica. Deus interrompeu o Diabo. — Tu és vulgar, que é o pior que pode
acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes
ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se
não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te
cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais
vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que
ele fez? — Já vos disse que não. — Depois de uma vida honesta, teve uma morte
sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de
noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de
salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima.
Onde achas aí a franja de algodão? — Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito
que nega. — Negas esta morte? — Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de
caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente
aborrecê-los... — Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai, vai, funda a tua
igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os
homens... Mas, vai! vai! Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais.
Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com
as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar;
dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.
Capítulo III
A boa nova aos homens
Uma
vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula
beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e
extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia
aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites
mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a
noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito
contavam as velhas beatas. — Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das
noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro
e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo
do coração dos homens. Vede-me gentil e airoso. Sou o vosso verdadeiro pai.
Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu
e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo... Era assim que
falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes,
congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram,
o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de
um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era
umas vezes sutil, outras cínica e deslavada. Clamava ele que as virtudes
aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A
soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza,
que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe
era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência
de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: "Musa, canta a
cólera de Aquiles, filho de Peleu..." O mesmo disse da gula, que produziu
as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos de Hissope; virtude tão
superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi
a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de
ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela
virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons
manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela
sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica,
pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos
seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou
friamente que era a virtude principal, origem de propriedades infinitas;
virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento.
As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes
golpes de eloqüência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas,
fazendo amar as perversas e detestar as sãs. Nada mais curioso, por exemplo, do
que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem;
o braço direito era a força; e concluía: Muitos homens são canhotos, eis tudo.
Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns
fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem
nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um
casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A
venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os
direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu,
coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso,
estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua
palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria
consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório.
Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte
do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os
cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção
moral do homem? Demonstrado assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor
as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à
vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão
legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é,
merecer duplicadamente. E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo.
Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e
cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a
exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos,
porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada
mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a
transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como
elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a
única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela
consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação,
era este o sentimento aplicado e não aquele. Para rematar a obra, entendeu o
Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor
do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa
regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se
devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo.
Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta
frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma
das marquesas do antigo regime: "Leve a breca o próximo! Não há
próximo!" A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando
se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a
particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do indivíduo a si
mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por
metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: —
Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada
acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos
adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria.
Capítulo IV
Franjas
e franjas A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de
veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a
capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as
outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina
propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua
que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de
triunfo. Um dia, porém, longos anos depois notou o Diabo que muitos dos seus
fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas,
nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos
glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano,
justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite,
ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe
pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas
mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando
os outros. A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente
o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o
de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e,
com o produto das drogas, socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um
perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu
com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou,
dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogomano; roubou-o, com efeito, à
vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O
manuscrito beneditino cita muitas outras descobertas extraordinárias, entre
elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores
apóstolos era um calabrês, varão de cinqüenta anos, insigne falsificador de
documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas,
biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meterse na cama para não
confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como
ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego,
ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto
não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao
ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não
havia que duvidar; o caso era verdadeiro. Não se deteve um instante. O pasmo
não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente
alguma coisa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso
de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita
complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer,
daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse-lhe: — Que queres tu, meu
pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo
tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.
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